Texto de Bianca Tomaselli, 2007.
O mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que despendeis, nem vos paga o que andais.
Pe. Antônio Vieira, Sermão da Sexagéssima, 1655.
Oração, súplica, sermão. Já dizia Antônio Vieira que para falar ao vento, bastam palavras, para falar ao coração, são necessárias obras. Sabe o pregador, que as palavras ouvem-se e as palavras vêem-se, e que o crente se liberta do mundo através dos olhos, não pelos ouvidos. Entre o texto e a ação, os trabalhos de Letícia Cardoso parecem evocar uma espécie de súplica, uma tentativa fadada ao fracasso, de captar as coisas do mundo, prolongar-lhes a existência.
Trabalhando performance e registro , a artista remete a uma tradição conceitual, onde a fotografia aparece como documento, texto de uma ação. O texto, ora nos seu registro, aparece encarnado. A superfície da fotografia passa a ser tomada por camadas que ela não tem. Em “paisagem depois do Mar” assim como nas imagens recentemente expostas no Museu Victor Meirelles, uma densa materialidade pictórica, o tremer de um gesto, toma de assalto a superfície plana e inerte do papel.
Tudo é passível de ser pensado, uma vez que sabemos que a fotografia carrega consigo uma morte. Porque o referente já está morto, que é possível torná-lo ainda mais vivo na sua reprodução. Imago, máscara mortuária. Pontua Régis Debray que o melhor morto para a imagem, e ali se estende o que no mundo se putrifica. Também nas ações de Letícia são registros: um peso sobre uma rosa, uma força brutal que necessita aniquilar a coisa para que esta permaneça. E, sempre através de uma crença, aquilo que no mundo se escapa, pode ser vivido.